27 de junho de 2013

Insone

Acordou de imprevisto 
No silêncio da noite
Quando a vida viajava ainda 
Pelas estradas do cansaço
Arrastando a sombra
Pelas sendas já pisadas

Acordou sem motivo
Na imensidão noturna
De um véu iluminado
Por milhões de sonhos
Fugitivos e travessos 
anciãos ou recém-nascidos

Acordou sem desejá-lo
Na monotonia escura
De uma vida sem estrelas
Quando a lua namoradiça
Convidava radiante e tentadora
Ao eterno abraço dos insones

Acordou sem alternativa
No raiar de uma nova aventura
Com o coração atravessado
Pelo desejo de devorar o dia
Até retornar vazio e cansado
Ao seio que lhe proverá de vida

19 de junho de 2013

Indignação

Por que não consegues enxergar
As raízes de tua cadeira
As mãos que tecem 
Com sofrimento e fome
O teu colossal salário?

Se defendes apenas ao rico
E proteges com tuas leis
Aos que já têm resguardo
Nos seus privilégios
Quem olhará então para baixo
Para os que sobrevivem, somente
E agora se revoltam indignados
Por tanto sistema podre
E tanta promessa falsa?

Quem te recomendou
Responder aos seus lamentos
Com teus cães de guarda
Açoitando a esperança
De um povo que não aguenta
Tanto circo sem palhaço
De um futuro que nos aguarda
Além das trevas do presente?

16 de junho de 2013

Quando o frio chegar

Quando o frio chegar
Com seus assovios assustadores
Amedrontando as forças
Paralisando e escurecendo
Os ingênuos sonhos juvenis
Quando o frio chegar
Não deixes o sorriso murchar
Nem extinguir a alegria
Nem congelar a ternura
Quando o frio chegar
Com seu silêncio ameaçador
No permitas que o coração emudeça
Nem que se acobardem os olhos
Renunciando medrosos
À espera paciente
Do nascer do sol 
Dilacerador das trevas
Que enevoaram a esperança
Quando o frio chegar
Não soltes minha mão trêmula
Nem esqueças dos abraços cálidos
Que outrora semearam minha alma
Com o vigor do afeto
E o ardor da entrega
Quando o frio chegar
Que nos surpreenda juntos
Aquecendo o mundo
Com o nosso sangue vertido
Alimentando a terra
Com o nosso amor doado 

9 de junho de 2013

Ser como tu

Como tu
Ser como tu

Como tu
Água na areia
Envolvendo com afabilidade
Empapando silenciosamente

Como tu
Vento na praia
Aliviando com generosidade
Afagando carinhosamente 

Como tu
Sol no inverno
Aquecendo com tenacidade
Iluminando gratuitamente

Como tu
Que nem imagina ser assim
Um diminuto ser anônimo
No meio da algazarra 
Empequenecido pelos gritos
Desprezado pelo brilho
De estrelas fugazes e presunçosas

Como tu
Um sonho na distância
Um perfume inspirador

Como tu
Uma voz omitida
Um coração ignorado

Como tu
Ser como tu

2 de junho de 2013

Tua ferida aberta

Tua ferida aberta
Expõe sem pudor
A história da tua raiva
As raízes da tua dor
A origem do teu pranto

Como num mapa aberto
Descubro claras marcas 
De ignominioso desprezo
Rios de violência
Vertidos sem motivo
Num mar de culpa e vergonha
Cordilheiras de opróbio
Que deves superar cada dia
Para poder erguer a vida
E descobrir o céu

Tua ferida aberta
É um grito silenciado
Uma lágrima encalecida
Uma dor anestesiada
Que tenta fugir disfarçada
À procura de novas paisagens
Onde não exista mais
A palavra que fere
E a agressão que humilha